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Pirataria e (com)partilhamento de materiais (não) autorizados em plataformas digitais colaborativas

por Natália Rodrigues Silva


Quando vemos a palavra pirataria, nós a associamos às práticas que ocorriam quando piratas cruzavam os mares para saquear navios para a apropriação de riquezas. Porém, o termo pirataria foi ressignificado sob uma perspectiva contemporânea.

Fonte: Banco de imagem Wix (2023)


Com os avanços tecnológicos e em especial pela internet, novas práticas de pirataria surgiram, como cópias ilegais de filmes, músicas, downloads e uploads de arquivos protegidos por direitos autorais e outros. Em relação à pirataria, Karaganis (2011, p. 2, tradução nossa [Describe the ubiquitous, increasingly digital copying practices that fall outside the confines of copyright law]) diz que a usamos para “descrever o onipresente, cada vez mais práticas digitais de cópia que estão fora dos limites da lei de direitos autorais”, ou seja, a pirataria é uma infração aos direitos autorais.


Um exemplo de pirataria pode ser verificado por meio das plataformas digitais colaborativas que fazem o armazenamento e disponibilização de materiais científicos como o Sci-Hub e o ResearchGate, por exemplo. Silva (2020), nos diz que as plataformas digitais colaborativas são espaços na internet em que os usuários inserem e compartilham materiais entre si. Desse modo, as plataformas digitais colaborativas propiciam a interação entre os usuários por meio de uma estrutura que possibilita que os materiais possam circular livremente por meio da internet.


Por esta perspectiva, pode-se dizer então que, quando há a inserção de materiais protegidos por direitos autorais nas plataformas digitais colaborativas há a prática da pirataria. Karaganis (2011) elenca três fatores que têm propiciado o aumento da pirataria digital: o alto valor dos bens midiáticos, a baixa renda da maioria da população mundial e o fácil acesso às tecnologias.


Desse modo, pode-se compreender que quando há uso de um produto ou serviço pirata deixa-se de lado, de certa forma, os aspectos morais, ou seja, se é certo ou errado o uso ou aquisição de conteúdos e materiais pirateados. O que é levado em conta é o custo da aquisição do produto ou serviço pirateado em contraponto ao original, pois produtos e serviços pirateados têm um custo bem menor do que suas versões originais, tornando-os mais acessíveis. Além disso, existe a facilidade de se localizar e acessar produtos e serviços pirateados e os consumidores estão, na maioria das vezes, cientes do tipo de produto ou serviço que estão adquirindo ou usando.


Por essa perspectiva, outro fator que pode ter favorecido o aumento de plataformas digitais que armazenam conteúdos acadêmicos, científicos ou literários pirateados seja o fato que materiais informacionais tais como livros sejam ainda um bem de consumo caro para a maioria da população, ou que bases de dados científicas pagas estejam inacessíveis para as bibliotecas devido ao alto investimento da assinatura, o que inviabiliza o acesso de uma grande parte da sociedade que não tem esses recursos e favorece o alcance de iniciativas ou canais informais no espaço digital.


Bodó (2011) salienta que as tecnologias digitais possibilitaram uma desvalorização de variados bens culturais, além de uma dificuldade de controlar como e onde tais bens culturais estão circulando. Esse fato se verifica pela existência de diversas plataformas digitais colaborativas na internet que disponibilizam na íntegra aos seus usuários materiais de acesso aberto ou protegidos por direitos autorais.


Conforme Bodó (2016), pela facilidade que há em cópias de textos, as redes de pirataria de e-books começaram até tardiamente. O autor ainda reforça que as poucas bibliotecas piratas que disponibilizam livros literários, best-sellers e outros são, de forma geral, serviços pequenos, desorganizados, fragmentados e de baixa qualidade, porém também existem as que são mais organizadas e desenvolvidas, que coletam e disponibilizam diferentes tipos de publicações acadêmicas como artigos científicos em números expressivos.


Bodó (2016) chama a atenção para iniciativas como o Wikipedia, o Reddit [É um agregador social de notícias ou um social bookmarks], e as “bibliotecas das sombras [Bodó assim denomina essas iniciativas, pois funcionam às margens da legalidade]” que foram e são usadas para o compartilhamento de textos de maneira discreta e informal, e foram iniciativas que possibilitaram a solução de problemas de acesso a conteúdos no universo acadêmico do ocidente. Por isso, tais iniciativas passaram despercebidas como ameaças ou irregulares.


Sendo assim, compreende-se que a mudança do compartilhamento de materiais acadêmicos impressos para o universo digital, possibilitou que a pirataria desse tipo de conteúdo no espaço acadêmico extrapolasse as barreiras geográficas, propiciando que houvesse a criação de um mercado negro acadêmico em escala global. Com o aumento de trabalhos acadêmicos, os canais que armazenavam conteúdos piratas começaram a se fortalecer e ganhar espaço, tornando-se espaços mais bem organizados. Dessa forma, esses canais começaram a atrair públicos diversificados, interdisciplinares e que rompiam as barreiras geográficas.


Dessa forma, quando um livro que ainda está protegido pelos direitos autorais ou um artigo publicado em uma base paga, ou seja, que não é de acesso aberto, são inseridos nessas plataformas digitais colaborativas sem a autorização do autor ou detentor dos direitos autorais, há a prática da pirataria, pois esses materiais são transformados em dados de acesso público, mesmo não o sendo originalmente.


Contudo, é importante ressaltar que a pirataria, pensando na questão das plataformas digitais colaborativas, esbarra em uma questão delicada, pois pode-se dizer que elas violam os direitos autorais ao inserir e disponibilizar conteúdos protegidos, sendo que estas já reconheceram isso ou sofreram processos judiciais por esta causa, porém elas continuam a funcionar e a disponibilizar tais conteúdos pirateados, ou seja, sabe-se que são ilegais, mas nada de efetivo para lidar com a situação é colocado em prática ou discutido. Essa situação cresce cada vez mais com o surgimento de mais plataformas e mais materiais protegidos pelos direitos autorais sendo compartilhados sem a devida autorização.


Pela perspectiva do autor que tem seu material pirateado nas plataformas digitais colaborativas, duas questões que podem ser levantadas. A primeira é que a pirataria retira do autor o direito legal de desfrutar financeiramente de sua obra, pois seu conteúdo pode ser livremente acessado por estes canais. Além do viés econômico, outro fator que pode ser levantado é que quando um material protegido por direitos autorais é inserido e compartilhado nas plataformas digitais colaborativas, há um apagamento da escolha do autor sobre a forma como a sua obra irá circular. Se o autor estabelece que sua obra será de acesso restrito e esta mesma obra é inserida nesses espaços, ela é transformada compulsoriamente em uma obra de acesso aberto pelo usuário que ali a insere. Essa escolha da obra ser ou não de acesso aberto e em qual (is) meio (s) ela irá circular compete somente ao autor.


Muitos dos materiais inseridos nessas plataformas digitais colaborativas violam os direitos autorais, pois os autores ou detentores dos direitos, na maioria das vezes, não autorizaram que o seu material seja inserido e divulgado dentro dessas plataformas digitais colaborativas. Dessa forma, a autorização para compartilhar esses materiais protegidos por direitos autorais é feito pelo próprio usuário das plataformas digitais colaborativas, fazendo com que ele se torne, nesse espaço, o autor ou detentor de direitos autorais mesmo não o sendo, pois é ele quem “autoriza” que o material faça parte do acervo das plataformas digitais colaborativas e que outros usuários possam também fazer uso daquele material. Essa inserção de materiais protegidos por direitos autorais nas plataformas digitais colaborativas funciona também como um acesso aberto compulsório, pois o material que é inserido no acervo passa a ser, naquele espaço, de acesso aberto mesmo não o sendo.


Vale frisar que o que aqui se discute não é ser contra ou favorável ao uso das plataformas digitais colaborativas, já que qualquer meio que seja um facilitador para a localização e disponibilização de materiais ou informações para a realização de pesquisas, por exemplo, é de suma importância, sobretudo no atual contexto em que as informações são postas em circulação de forma muito rápida e em que, muitas vezes, os usuários ficam “perdidos” com tanta informação e onde buscá-la. O que se discute e ao que se chama a atenção nesta pesquisa é a questão do (com)partilhamento de materiais (não) autorizados, protegidos por direitos autorais, dentro dessas plataformas digitais colaborativas.


Ao usar a expressão compartilhamento de materiais (não) autorizados, este “não” entre parênteses serve para se ter a percepção de que as obras protegidas por direitos autorais não são autorizadas a circular nessas plataformas digitais colaborativas sem que haja a expressa autorização do autor ou detentor dos direitos. Contudo, ao serem inseridas nessas plataformas digitais colaborativas, elas passam a ser autorizadas a circular naquele espaço por alguém que não tem, por lei, o direito de realizar tal ação.


Dessa forma, o (com)partilhamento de materiais (não) autorizados através das plataformas digitais colaborativas é considerado violação aos direitos autorais, sendo essa prática um ato ilegal. Assim, essas plataformas digitais colaborativas que disponibilizam conteúdos protegidos são plataformas ilegais que também violam os direitos autorais, por meio da disponibilização de conteúdo pirata.


Referências


BODÓ, Balázs. Coda: a short history of book piracy. In: KARAGANIS, Joe (ed.). Media piracy in emerging economies. California: Social Science Research Council, 2011. E-book. p. 399 - 413. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace;/bitstream/handle/10438/8526/MPEE-PDF-Full%20Book.pdf?sequence=12&isAllowed=y. Acesso em: 09 ago. 2021.


BODÓ, Balázs. Pirates in the library: an inquiry into the Guerilla Open Access movement. In: Annual Workshop of the International Society for the History and Theory of Intellectual. 8. d. Property, CREATe, University of Glasgow, UK, July 6-8, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2816925. Acesso em: 13 set. 2021.


KARAGANIS, Joe. Rethinking Piracy. In: KARAGANIS, Joe (ed.). Media piracy in emerging economies. California: Social Science Research Council, 2011. E-book. p. 1-74. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace;/bitstream/handle/10438/8526/MPEE-PDF-Full%20Book.pdf?sequence=12&isAllowed=y. Acesso em: 09 ago. 2021.


SILVA, Natália Rodrigues. Bibliotecas digitais ou plataformas digitais colaborativas?: por uma compreensão do funcionamento das bibliotecas digitais (não) autorizadas no espaço digital. Curitiba: Appris, 2020.


Dados biográficos das autoras

*Doutoranda em Gestão e Organização do Conhecimento pela Universidade Federal de Minas Gerais (PPG-GOC/ECI/UFMG). Mestra em Ciências da Linguagem pela Universidade do Vale do Sapucaí (2018). Pós-graduada em Biblioteconomia pela Faculdade Internacional Signorelli (2013). Graduada em Biblioteconomia pelo Centro Universitário de Formiga (2012). É bibliotecária no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) - Campus Avançado Carmo de Minas.


E-mail: natalia.silva@ifsuldeminas.edu.br


 

Como citar


SILVA, N. R. Pirataria e (com)partilhamento de materiais (não) autorizados em plataformas digitais colaborativas. Ciência da Informação Express, [S. l.], v. 4, 13 jan. 2023.

 

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