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O Serviço de Referência nas bibliotecas brasileiras após a pandemia da Covid-19

mais digital e mais educativo


por Jorge Santa Anna


A pandemia da Covid-19 trouxe mudanças significativas na configuração e na oferta de serviços em todos os segmentos sociais e em qualquer tipo de organização. As mudanças também foram sentidas nas bibliotecas e demais unidades que oferecem serviços de informação aos usuários. O serviço de referência é, sem dúvida alguma, a parte da biblioteca que mais recebe interferências das mudanças provocadas a partir do isolamento social, embora tais mudanças têm garantido o fortalecimento desse serviço, sobretudo ao estimular o uso de tecnologias digitais, enaltecendo, assim, a prática do serviço de referência digital.

Fonte: Banco de imagens Wix (2023)


Assistimos, hoje, nos primeiros meses de 2023, cujas bibliotecas voltam à normalidade, ao abrir suas portas para a oferta de serviços presenciais, a ampliação do uso quanto a determinadas tecnologias que, mesmo estando em funcionamento há bastante tempo, passaram a ser utilizadas e até mesmo conhecidas por muitos, por causa da pandemia. A pandemia, nesse sentido, não pode ser vista como ameça do serviço de referência, mas como estimuladora no uso de determinadas tecnologias e recursos que facilitam o acesso e uso à informação contida nos acervos das bibliotecas.


Um exemplo a ser citado é o uso de plataformas digitais que oportunizam a comunicação entre usuários e as organizações prestadoras dos serviços, como Google Meet, Zoom, Teams, dentre tantas outras. Essas plataformas podem ser selecionadas pelos usuários, conforme suas preferências e passaram a ser utilizadas em grande escala, em todo o mundo. De acordo com Sadler (2021), o mercado de videoconferência aumentou 500% nos primeiros dois meses da pandemia da Covid. Nos Estados Unidos, segundo a autora, 67% das companhias planejaram aumentar os gastos com videoconferência, nos anos seguintes à pandemia. No Brasil, de acordo com Sousa e Imada (2021), devido ao distanciamento social, os atendimentos e encontros presenciais ficaram fora de questão durante o período da pandemia, aumentando, assim, a demanda por videoconferências, que cresceu significativamente nas empresas brasileiras.


O uso dessas tecnologias no serviço de referência também passou por aumento expressivo, durante a pandemia, e essa tendência veio para ficar, mesmo com o fim do isolamento social e com o retorno das atividades presenciais. Na verdade, o maior impacto da pandemia no serviço de referência, sobretudo nas bibliotecas universitárias, foi o crescimento do serviço de referência digital. A literatura até então publicada confirma essa afirmação e os relatos empíricos dos bibliotecários, em diversos países, revelam a diminuição dos serviços presenciais e o aumento dos digitais, e isso não quer dizer que esse tipo de serviço deixou de existir ou enfraqueceu, mas, como percebido desde o seu surgimento, no ano de 1876, a partir da proposta de Samuel Green , o serviço vem se transformando, ou seja, passando de um formato para outro.


O estudo de Abubakar (2021) apontou essa realidade, indicando que em países desenvolvidos e em desenvolvimento, o serviço de referência digital cresceu de modo exponencial durante e após a pandemia, com uso intensificado das redes sociais, como Facebook e Twitter. Assim, não há como fugir dessa atual realidade, de que os recursos digitais vieram para ficar e o serviço de referência precisa dessas tecnologias para atender as reais necessidades dos usuários. Nesse sentido, em correspondência com Adetunla, Pennington e Chowdhury (2023), fica um alerta para as bibliotecas que ainda não contam com essas tecnologias: faz-se necessário dispor de recursos tecnológicos que possibilitem o uso da internet para garantia da oferta do serviço de referência digital.


Na verdade, podemos entender que o novo estilo de vida imposto pela pandemia (uso das plataformas de videoconferência, trabalho home office, dentre outros) estimulou a preferência dos usuários pelos serviços oferecidos remotamente, por conseguinte, a necessidade de reconfiguração dos serviços da biblioteca para o formato digital, cujos documentos serão acessados em qualquer local e a qualquer hora. Ademais, a oferta do serviço de referência digital também estimula a característica educativa do serviço, ou seja, no imenso universo da web, bibliotecários de referência atuam como orientadores ou mediadores, instruindo, aconselhando, educando e compartilhando conhecimento, a fim de tornar os usuários autônomos, críticos e capazes de selecionarem informações confiáveis e de recebê-las com mais facilidade, rapidez e excelência. Confirmamos, portanto, o que foi profetizado por Ranganathan (1961) e Shera (1966), de que esse tipo de serviço iria adquirir, ao longo dos tempos, uma característica pedagógica, voltada à formação crítica do sujeito e não à mera instrução.


O contexto brasileiro reflete a realidade internacional, no sentido de que a pandemia provocou o crescimento ou ampliação do serviço de referência digital. O quadro 1 apresenta alguns breves relatos de bibliotecários de referência atuantes em diferentes bibliotecas universitárias brasileiras, quando questionados sobre o futuro da referência.


Quadro 1 – O futuro do serviço de referência, na opinião de alguns bibliotecários de referência brasileiros

Indagação

Relatos dos bibliotecários de referência

1 – “Com o avanço da tecnologia, o serviço de referência será cada vez mais voltado ao atendimento digital”.

2 – “Devido à pandemia, tivemos que nos adaptar ao novo cenário e isso abriu novas possibilidades. Onde muitos serviços e atividades que eram oferecidos de forma presencial foram possíveis reavaliar e oferecer de forma digital ou a distância. Acredito que isso facilitou a vida dos nossos usuários”.

Qual o futuro do serviço de referência com os impactos da pandemia da Covid-19?

3 – “A migração, quase na totalidade, dos serviços oferecidos presencialmente para o virtual”.

4 – “O futuro do serviço de referência está atrelado ao mundo virtual (redes sociais e ferramentas de gestão de dados). Acredito que o atendimento presencial vai continuar, mas tende a ter indicativos reduzidos em relação à oferta virtual”.

5 – “Ser cada vez mais digital, remoto e tecnológico e ao mesmo tempo ser humano com seus usuários, para que não ocorram atendimentos simplesmente robóticos”.

6 – “Creio que cada vez mais o serviço de referência seja algo híbrido, entre presencial e a distância, não se limitando somente aos materiais das bibliotecas, mas do que encontramos na internet. Acredito que o bibliotecário de referência tenha que ser esse grande filtro, no combate à desinformação e às notícias imprecisas/falsas”.

7 – “Um serviço totalmente digital, personalizado, a qualquer tempo e em qualquer lugar”.

Fonte: Elaborado pelo autor (2023).


De fato, o usuário da internet manifesta-se como um sujeito autônomo e dinâmico. Do mesmo modo, o ambiente da internet é constituído por qualquer tipo de informação, muitas delas sem tratamento quanto a sua precedência e confiabilidade. Essas situações justificam a importância e necessidade de existência do serviço de referência digital que, além de auxiliar o usuário na busca por informação pertinente, de qualidade e confiável, possibilitará a esse sujeito o desenvolvimento de competências e habilidades para que as atividades de busca sejam realizadas com autonomia, dinamismo e, sobretudo, criticidade.


A realidade vivenciada pelos bibliotecários de referência brasileiros, com o fim da pandemia da Covid-19, revela que o serviço de referência presencial tende a diminuir, cujo efeito desse processo será o crescimento do serviço digital. Nesse contexto, tem-se a transformação no modo com que o serviço é oferecido, visto que deixará de ser limitado ao atendimento face a face e ao uso de tecnologias convencionais e assíncronas, como o telefone, o e-mail, dentre outras, ampliando-se com o uso de tecnologias de ponta e com alto nível de interação, como as tecnologias síncronas, o uso de redes sociais, dentre outros tipos.


Na terceira década do século XXI, está comprovada a profecia de Accart (2012), de que o serviço de referência tornar-se-ia cada dia mais digital. Esse futuro foi projetado, sem o conhecimento sobre os impactos da pandemia. Logo, com a pandemia, a adesão ao serviço digital ocorrerá de modo mais imediato. É como se a pandemia tivesse acelerado a concretude dessa previsão do autor. Assim, até o presente momento, podemos afirmar acerca do crescimento dos serviços digitais e diminuição dos serviços presenciais, embora ainda não seja possível confirmar, com exatidão, se essa relação ocorrerá inversamente proporcional, ou seja, à medida que se aumentam os digitais, diminuem-se, no mesmo quantitativo, os presenciais.


Afirmar que os serviços presenciais tender-se-ão a diminuir, sendo substituídos pelos digitais ainda é uma suposição infundada. Isso porque, como foi observado no período do isolamento social, o ser humano tem resistência a mudanças rápidas. Faz parte da natureza humana o contato físico, o bate-papo presencial, a troca de informações face a face, o contato com itens no formato físico, como os livros ou recursos tangíveis. É provável que um usuário, mesmo utilizando todo o potencial do serviço de referência digital, em determinado momento, sentirá a necessidade de comparecer, presencialmente, ao recinto da biblioteca, nem que seja para uma conversa informal, sentir o ambiente físico ou até mesmo receber um abraço dos profissionais.


Sob uma concepção mais otimista, é preferível acreditar que o serviço híbrido, a conjugação do presencial com o digital, seja a previsão mais certa até meados deste século. A eliminação definitiva dos recursos e serviços presenciais é algo que poderá ocorrer, na sociedade do futuro, sem uma data confirmada. Curioso que, mesmo com a predominância 100% do serviço digital, a presença do profissional mediador ainda será necessária, sobretudo sob uma perspectiva pedagógica. A prática de ensinar, de formar um indivíduo e de garantir o seu aprendizado e a sua capacidade crítica apresenta-se como um processo altamente complexo; logo, está condicionada a habilidades humanas, que extrapolam os limites das máquinas e das tecnologias.


Referências


ACCART, Jean-Philippe. Serviço de referência: do presencial ao virtual. Brasília, DF: Briquet de Lemos/Livros, 2012.


ABUBAKAR, Muhammad Kabir. Implementation and use of virtual reference services in academic libraries during and after the COVID-19 pandemic: a necessity for developing countries. Library Philosophy & Practice, Nebraska, v. 9, n. 1, p. 01-18, jan./jun. 2021. Disponível em: https://digitalcommons.unl.edu/libphilprac/4951/. Acesso em: 27 mar. 2023.


ADETUNLA, Gbenga; PENNINGTON, Diane Rasmussen; CHOWDHURY, Gobinda. Automating University Library Operations: a Review of the COVID-19 Pandemic Experience in the UK and Nigeria. In: LECTURE NOTES IN COMPUTER SCIENCE, 1., 2023, [S. l.]. Proceedings [...]. [S. l.]: Springer, 2023. p. 217-225. Disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-031-28032-0_19#citeas. Acesso em: 27 mar. 2023.


GREEN, Samuel Sweet. Personal relations between librarians and readers. Library Journal, New York, v. 1, n. 1, p. 74-81, jan./jun. 1876.


RANGANATHAN, Shiyali Ramamrita. Reference service. 2. ed. London: [S. n.], 1961.


SADLER, Mandi. 84 Current Video Conferencing Statistics for the 2021 Market. Trustradius, 2021. Disponível em: https://www.trustradius.com/vendor-blog/web-conferencing-statistics-trends#corpelearning. Acesso em: 27 mar. 2023.


SHERA, Jesse. Foundations of a theory of reference service.Texas Library Association: reference, research and regionalism. In: CONFERENCE, 53., 1966, Austin. Proceedings [...]. Austin: [S. n.], 1966.


SOUSA, Ana Tereza Yumi Sato; IMADA, Renata Nagima. Auxílio de ferramentas tecnológicas em meio ao cenário da pandemia no setor de gestão da saúde. Revista Alomorfia, Presidente Prudente, v. 5, n. 2, p. 340-354, jul./dez. 2021. Disponível em: https://fatecpp.edu.br/alomorfia/index.php/alomorfia/article/view/108/49. Acesso em: 27 mar. 2023.


Dados biográficos do autor

*Mestre e doutorando em Gestão e Organização do Conhecimento pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bibliotecário formado pela Universidade Federal do Espírito Santo.

E-mail: jorjao20@yahoo.com.br

Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0709-3639 Lattes: http://lattes.cnpq.br/2449023539030224

 

Como citar


SANTA ANNA, Jorge. O Serviço de Referência nas bibliotecas brasileiras após a pandemia da Covid-19: mais digital e mais educativo. Ciência da Informação Express, Lavras, v. 4, p. 1-5, 31 mar. 2023.

 






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